A tradição de cultivar milho e o toque do búzio

Contado por Manuel
Aldeões
Categoria C

Manuel nasceu em Ferraria de São João e por cá ficou. Conta-nos a tradição de cultivar o milho, as diferenças do antigamente para os dias de hoje e o toque do búzio.

Memórias e tradições

Antigamente era mais difícil que o que é agora

Antigamente amanhava-se as terras se queríamos comer, amanhavamos o “munho”... donde tirava 120 alqueires de milho e tirava à volta de 12 alqueires de feijão. A uva morangueira, nos muros, tirava 60 a 70 “almodres” de vinho. Os veados estragaram, o lume estragou o resto.

Hoje há mais condições. “Hoje, se tiver um bom emprego, tem dinheiro e vai a um desses Centros Comerciais comprar as coisas, onde há tudo.” Como era dantes, nesta terra: ”duas molhoeiras” 1ª de aveia, centeio e erva lameira cortada em Março, seca e feita celeiro na casa, para o gado comer no Inverno. Milho semeado em Maio - 120 alqueires e dava pasto para encher a casa. Lavoura com animais: boi, mula, burro, cavalo...era raro lavrar à enxada. (burro o mais fraquinho mas mais barato, boi e mula mais rigos, é outro sangue, mas com mais necessidade de alimento - “desde que lhe acudam aos queixos, à alimentação.”)

Dito antigo: “Égua para légua, cavalo para regalo, mula para carrada,macho para carga, burra e burro para nada.”

Infância e a tradição de cultivar milho 

Todos os dias trabalhavam na agricultura, a família toda. Tinham várias terras. Como os outros vizinhos da aldeia. “Quando a terra de milho estava em ação de espontar, o povo da aldeia vinha ajudar. Ajudavam-se uns aos outros. Era um dia de festa. As descamisadas, haviam 7 ou 10 homens a descamisar. Iam de uma casa para outra, na descamisava.

Ciclo de Milho: março, abril semeado, de sequeiro. Na Ferraria há muita água é semeado sempre cerca de 7 de maio. O milho não tem tratamentos. Semeado, lavrado com animais da terra, “aventado por cima também à cara”, gradado com umas grades de pau, os animais a puxar, e depois nascia [o milho] e tb as ervas daninhas. “Não havia químicas”, tinha que ser sachado, havia a volta de pessoal outra vez. Tudo a sachar. Depois para o vizinho. Outro dia de festa. As senhoras cantavam décimas de namoros antigos…e inventávam-nas, zangas, namoros mal sucedidos.

Espontar- partir a ponta. para ajudar o milho a secar, não na terra mas já na casa. Caniço - casa de secar a ponta do milho, com arejamento, tipo em corrente de ar, que se punha pendurado e depois de seco servia de pasto para gado, no Inverno.   

Moagem: “era nos moinhos quando havia água para andar senão iam à Machuca, em Figueiró dos Vinhos. Iamos com a mula e a carroça. Se fosse um burro, ia de albarda, não aguentava a carroça.”

Os moinhos de água não funcionavam todo o ano. Enchia-se a tremonha do moinho com milho e deixava-se a moer hora e meia, depois voltava-se a encher. Em maio começava a escassez de água.

Moinhos de vento nunca houve. Movidos a animais, sim. No Zé Sapateiro.

Rebanhos: pastoreio 1000 cabeças de gado, saiam dos currais, soltos pelas serras com um pastor. Regressavam à aldeia e os donos, pelos chocalhos, ouviam os seus rebanhos e recolhiam-nos ao anoitecer nos currais, cada um recolhia os seus. “Quando vinha o Lobo, lá no pináculo, como a gente chama”, chegaram a matar 20 a 30 cabeças de gado. O pastor gritava. Para os donos irem buscar o gado para aproveitar, com os burros para carregar [as carcaças]. O meu falecido pai sempre foi caçador. Apanhou 8 lobos nesta serra. Armadilhas: Qq coisa que os lobos não gostavam e caiam para o lado.

Não havia chamamento para as cabras. Elas conheciam a rotina. Faziam todos os dias.

Muito frio ou neve, excepção. Não iam. Pasto dos palheiros para outros animais, bois, mulas, burros, não para as cabras, essas estragam. Comem pernadas de árvores, das  sobreiras, qq coisa. Roem tudo, até poderem.

O toque do búzio

Quando havia qq coisa de estranho na aldeia como fogo, uma pessoa doente, um desastre, um boi cair para dentro de um poço, uma pessoa cair para dentro de um poço, tocava-se o búzio. O pessoal da aldeia já sabia que alguma coisa se estava a passar. Juntavam-se, iam saber o que era e acudiam todos para tentar resolver.
Caso de um boi que caiu a um poço.

Tocaram o búzio. Muitos homens e mulheres com cordas. Um atou o boi lá em baixo. Poço com cento e tal palmos de fundura. Conseguiram pela força puxá-lo. O boi não teve azar nenhum. Eram as gruas de antigamente.

O tocar: à noite seria por causa do gado ou de manhã. se fosse durante o dia, juntava-se tudo no meio da aldeia, “eram todos à uma”.

Todos podiam ter um búzio. 

(e toca o tlm - o búzio moderno!!!)

Toque do búzio:
só uma vez - chamamento das mulheres para dizer aos homens, que tinham ido para o mato, que o almoço estava pronto.
várias vezes - perigos vários.
O búzio passa de geração em geração. É de família, já era do avô paterno do Manel.

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