“Vim morar para a Ferraria de S. João há 10 anos. Foi por amor, vim atrás do Pedro. Ele tinha umas ruínas aqui, em reconstrução, e ele fez-me o convite/ desafio de juntarmos os trapinhos aqui.”
Primeiro impacto na chegada: vim primeiro em visita, longe de saber que seria o nosso destino para viver. Aglomerado de casas onde ainda viviam bastantes pessoas, com vida bastante activa. Enquadramento florestal, os sobreiros como uma bolha de oxigénio. Vale muito lindo.
O que tiveram de mudar para se sentirem em casa/ o território tb era vosso: após os incêndios senti mais, pôr as mãos na terra, na massa. Melhorar a paisagem e a nossa situação. Retirar a monocultura existente, muito chegada às casas, aumentar a biodiversidade, trabalho comunitário que nos traz orgulho porque partiu de todos nós. “Quase que consideramos isto um bocadinho nosso porque estamos a mexer nesta natureza que nos envolve.”
2013, projeto com a Maria: trabalho interessante com a comunidade local e com as escolas. Tinha mais tempo na altura, até ter colocação nesta zona. Aproveitar a dinâmica da aldeia, toda a actividade de agricultura e tradições que ainda se mantinham tão vivas, criar o projeto “Aldeia viva”, envolver alunos das proximidades para que tivessem um contacto mais próximo com as dinâmicas da nossa aldeia, desde cuidar dos animais, plantar, semear. Decorreu ao longo de um ano inteiro para acompanhar os processos agriculas.
Nos voluntariados pós-fogo também voltámos a esta massa jovem. Ao princípio as pessoas vinham por iniciativa própria ajudar, porque estavam emocionalmente tocadas. Depois lembrei-me de integrar algumas turmas, a convite, organizámos agendas na aldeia e recebemos várias escolas que queriam vir ter connosco.
Aldeia como janela para trabalho de sensibilização para a comunidade em geral: sem dúvida, os habitantes e nós, os que viemos depois repopular, todos estão interessados e com visões diferentes, todas válidas, para este exemplo vivo do que é o funcionamento de uma aldeia, com o gado a acontecer, as colheitas a acontecer. As estações do ano a acontecer, na cidade não notava à flor da pele como agora. É uma satisfação enorme. Tudo isto faz da aldeia um laboratório vivo. são uteis e gratificantes para quem nos visita. Alunos e jovens podem ter aulas em campo, com este cenário de aprendizagem.
Tempo livre: fotografar. Procuro detalhes. Aquilo que me prende a atenção e que me sensibiliza: um musgo, umas suculentas… Venho com os meus filhos. Quando venho em passeio aprecio as coisas de outra maneira.
Vida bucólica? Sim mas tens que fazer por isso. Tens que cuidar seja dos animais, seja das plantas. Exige de nós outra presença, outro tempo. Tem que ser uma opção nossa. Temos que saber cria-la, o bucólico, o zen.
Alojamento: queremos oferecer o que nós aqui já sentimos, este contacto directo com a natureza. O aspecto mais forte. Daí até para o interior das casas levamos elementos naturais: madeira, cortiça, invólucro estrutural em pedra. “Transmitir a imagem mais real e as sensações mais autênticas do que é viver aqui.” Que fiquem pelo menos duas noites, não ser o toca e foge. Acrescentar à estadia as vivências da aldeia - contactem com as pessoas que aqui dinamizam actividades com sendo o fazer o queijo de cabra fresco, o pão; os percursos pedestres que permitem que conheçam a zona que nos rodeia.
O que faz falta: trabalho comunitário mais cuidado e mais unificado. Houve numa 1ª fase, essa causa comunitária, depois foi-se desmantelando. Essa essência comunitária sempre houve mas de uma forma muito informal e dissimulada. Queremos que aconteça com regularidade, com afinco, com autenticidade e com grande dose de confiança. Há premissas que não proporcionaram isto. Tem que ser trabalhado para atingir uma harmonia.
Vivência: a Ferraria oferece o máximo para se poder viver. Pessoas de fora acham que tudo é um problema. De facto, tudo é facilidade, tudo é muito mais saudável. O tempo que se ganha é muito mais. Financeiramente talvez não. Mas, mais uma vez, isto é uma escolha. Relembra-me das minhas férias, na aldeia do meu pai, era uma festa. Só entravamos em casa para comer e para dormir. De resto era sempre lá fora. Os meus filhos têm essa oportunidade aqui. É uma oportunidade de ouro. Quando tiverem que ganhar asas para conhecer outros mundos, também terão a oportunidade mas, nesta fase de crescimento, onde estamos, conseguimos dar-lhes o máximo.
Somos muitos. Podemos fazer muito, assim haja vontade.
O que diferencia a Ferraria: Tem bastantes habitantes. Noutras aldeias tem vindo a diminuar e a força pode não ser a suficiente para desenvolver certos projetos, serem resilientes e precisarem de mais ajudas externas. Nós temos uma força bastante imponente. “Somos muitos. Podemos fazer muito, assim haja vontade.”
Aldeia serrana, mais fechada, que guarda muito da sua autenticidade. Tem as suas gentes, com as suas características, que devem continuar a existir.
Aldeia do Futuro: necessidade de repopular, receber novos habitantes, dinâmicas diferentes mas mantendo os traços antigos, muitos saberes, muitas tradições, com a essência da aldeia. “Nós quando viemos para cá morar, não quisemos criar nada, quisemos acrescentar e melhorar o que já cá estava, com a opinião de todos.” Será um movimento de renovação. Vai haver cada vez mais vontade de as pessoas procurarem estes pequenos nichos e este estilo de vida.
ZPA: força humana. vivi intensamente e dediquei-me com o meu tempo disponível, nos bastidores. Estabelecia contactos para os voluntariados. Criei laço forte com o projeto. Teve impacto muito forte nas nossas vidas, nas nossas rotinas, nos fins-de-semana. Havia reunião todos os domingos, por exemplo. Acertar o passo com o ritmo da natureza. Para nós tb era tudo muito novo. Precisávamos do apoio de entidades externas como a Flopen, a câmara. “Senti-me uma peça do puzzle para tudo funcionar. Senti-me muitíssimo útil. A gratificação quando se faz algo para o bem comum.” Relação próxima ao início, depois decresceu quando mudaram os órgão de direção da associação. Houve mudança de pessoas na frente do projeto. Ficámos na retaguarda. Estávamos desgastados. Foi preciso renovar energias.
Levantamento de tradições: foi informal no Aldeia Viva, o contar de histórias ao longo das actividades, saia espontaneamente da D. Isilda, da D. Ilda, a D. Fátima. Iam surgindo naturalmente. Falta o registo. Um bom manual para as gerações futuras.