Uma Aldeia resiliente

Contado por Pedro Pedrosa

Mora na Ferraria há 10 anos. Conheceu a aldeia por acaso. Tinha nos seus projetos de vida sair da cidade. Passou pela Ferraria primeiro numa volta de bicicleta, não lhe chamou a atenção. Depois, em visita a um amigo, o Paulo Guilherme, do alojamento turístico do Zé Sapateiro, veio com mais tempo. Conheceu o Sr. Pires, o antigo dono de uma parte da sua casa actual, que lhe apresentou logo um negócio de recuperar uma ruína. Ele aceitou. Até hoje juntou cerca de 13 lotes de terreno para construir o “pequeno espaço que tem hoje”. Recorreu ao programa de recuperação das Aldeias do Xisto que incidia apenas na fachada e no telhado. Depois conheceu a Sofia. Resolveram avançar com o resto da obra, o interior da casa, para poderem lá morar. Decidiram ter filhos, hoje com 8 anos. Continuaram a investir e recuperaram, há cerca de 5 anos, 3 palheiros para o alojamento local que têm hoje, mais independente da sua casa principal. “Foi tudo feito com muita calma, passo a passo e aqui estamos hoje instalados.”

O que ofereces no teu turismo: ele e a Sofia viajaram muito e gostariam de receber os seus hóspedes como foram recebidos por esse mundo fora. Criar um espaço agradável, onde as pessoas se sentissem bem e em contacto com a natureza, o mote deles enquanto alojamento. Desde os materiais escolhidos, à arquitectura minimalista, à orientação das casas viradas para a natureza, à piscina biológica sem químicos, à horta biológica, ter animais à vontade. O proporcionar aos hóspedes o exterior da casa e a envolvência da aldeia, quer a pé quer de bicicleta. Aos poucos fomos criando ligações com a comunidade e promovendo os workshops de queijo e pão com as senhoras que se disponibilizavam para isso, tiravam o seu rendimento e nós, sentiamos essa responsabilidade para com a comunidade. À conta da Associação de Moradores este processo dos workshops foi sendo facilitado, com altos e baixos, não é fácil mas funciona até hoje.

Ainda há muito para fazer. “Há uma distância entre as pessoas terem a iniciativa para fazer e elas acontecerem.” Também não podem ser sempre os mesmos a ter as iniciativas. Gostávamos muito que houvesse mais gente a ter iniciativas, por exemplo: um café na aldeia, uma sala de chá, uma loja,… Podíamos ter sido nós a fazer mas podemos estar a tirar oportunidade a outros para o fazer. Entra a Associação de Moradores como um intermediário, um veículo, um alavançar, não estando no intuito da Associação esse serviço (sem fins lucrativos) mas podemos iniciar para passar depois a uma iniciativa privada. “O papel de facilitador é um papel chave da Associação." Ser moderador, dar o primeiro passo, é essencial para levar as gentes da aldeia a avançar por eles. É um papel muito cansativo e não é o nosso objectivo principal.

O turismo nos últimos 10 anos também mudou muito. Há procura por estes locais. O visitantes querem ver, querem conhecer, querem vivenciar. Os residentes também se têm adaptado. há uma nova realidade. Já não se vive só da agricultura, como meio de subsistência, das indústrias em redor e a auto-estima pela sua aldeia não estava desenvolvida neles como está hoje. Quem vem de fora é que lhes tem transmitido isso, a qualidade de vida deste local. “É um choque cultural mas de realidade. A minha esperança é que as novas gerações consigam perceber isso ou as que cá estão ou as que para cá venham viver. Outra das chaves deste território, é conseguir atrair um número crítico mínimo de pessoas que acreditem no território, que tenham energia e que façam esse início de processos acontecer.”

Futuro da aldeia: se se reuniem um conjunto de condições, esta pode ser uma de muitas das aldeias do nosso país com qualidade de vida. Há que conjugar um conjunto de actores: vontade política, iniciativa privada e económica, para isso acontecer, para ser viável. A análise do pós-fogo de 2017, mostrou-me isso. Esta pode ser uma das aldeias onde investir. Outras não, é deixar cair. Não se pode chegar a todas. As eleitas, desde que tenham os factores certos como  segurança, condiçoes de habitação, acessibilidades (bom sistema de transportes, serviços de saúde e de educação), vida cultural e o número mínimo de famílias jovens com energia, focadas, que tornem a aldeia viável, tem condições para isso. Estamos no caminho certo. Há que continuar. É um processo em construção.

ZPA e pós-incêndio: foi um momento de viragem na aldeia, decisivo. Conseguimos uma coisa muito bonita, mobilizar as pessoas, uma semana após o incêndio Se fosse hoje, já não se conseguia. Resumindo, houve um momento de crise, de superação, as pessoas interajudaram-se. Depois do processo traumático, as pessoas perceberam que era preciso fazer alguma coisa. Por vontade nossa, dos que vivem da aldeia, houve a necessidade emergente de dar um primeiro passo. Nós tivemos a iniciativa (sem políticos, sem jornais) de fazer este movimento. Fazer cumprir a lei dos 100 metros. Vamos fazer pelo menos o que está na lei. Assinamos um papel que não valia nada mas que nos dava autorização para agir, para iniciar o processo. Vai voltar a acontecer o fogo mas poderá ser doutra maneira. “Este processo, tive logo a noção que era o início de uma coisa que nunca iria acabar. Tivemos até que criar o nome ZPA - zona de proteção da aldeia, nem isso existia neste país, nenhuma figura, nem o nome. Sigla que nos há-de perseguir o resto da vida, no bom e no mau sentido.” Tivemos que criar tudo do zero, a partir da lei dos 100 metros, traçar essa linha no mapa, falar com os mais de 80 proprietários de mais de 200 terrenos, arranjar investimento e viabilizar o arranque dos eucaliptos, estudando n possibilidades, as técnicas, o que iamos plantar a seguir, se era preciso água para rega ou não, se era preciso mobilizar terras. Um trabalho enorme, de meses.Todos os meses fazíamos uma reunião com a comunidade. O processo começou a ser mediatizado. Começaram a aparecer jornais, ministros, secretário de estado. Voltaram. A todos dizíamos: o que faz falta, para além do dinheiro para fazer isto, é um modelo de governação que oriente este trabalho.” Um condomínio de uma aldeia? Só despejaram dinheiro mas a gestão ainda não apareceu. Curiosamente, funcionou outra coisa, o voluntariado, mais de 800 pessoas já estiveram por cá, em ações de voluntariado criadas também por voluntários e por pessoas da aldeia (que deixaram de ser tão fechados) que participaram.  O país estava comovido, queriam ajudar. Ajudou-nos também a Flopen, associação de produtores florestais e outras, com um plano de florestação, a escolher as espécies a introduzir, os locais. Nós não sabíamos. A floresta autóctone, a floresta produtiva para um dia tirar rendimento. Não podiamos ficar à espera. Mesmo sendo iniciativa privada, fomos avançando. Foi feito para nós, não pela visibilidade da aldeia. O que resultou do incêndio foi positivo. Mais vale a vida humana do que o que se retira do eucalipto.

Aldeia resiliente ou pioneira?

“Acima de tudo resiliente. Algumas pessoas muito resilientes que lutam contra a adversidade, com todo o esforço possível, com aquilo que podem dar.” Pioneira foi empurrada para isso, para ser resiliente, foi por necessidade. É um bocadinho das duas coisas.

Oportunidades? Pessoas que queiram vir para cá...é conversa especulativa

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